quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Posso entrar?


Trim, trim. Interfone tocando. O homem atende já perguntando:
- Quem é?!
- Entregador de pizza. Apartamento 35, sexto andar, Residencial London, foi o Senhor quem pediu uma pizza gigante de 18 pedaços?
- Talvez.
- Senhor, preciso que me diga com clareza, foi o Senhor quem pediu ou alguém da casa?!
- Não, todos em aqui já estão satisfeitos.
- Então foi o Senhor?! Responde o entregador impaciente.
- Tá, eu aceito. Pode subir.
Ao chegar lá em cima o entregador bate na porta. Mas o homem não abre, apenas diz com a porta fechada: 
- Quanto é?
- São R$ 33.
- Tem troco pra R$ 50?
- Sim. Ele não pediu troco quando pediu a pizza! Clientes, sempre achando que temos que adivinhar suas necessidades. Sorte dele eu ter o troco. Pensou o entregador, furioso. Interrompendo seus pensamentos o homem atrás da porta disse:
- Aqui está o dinheiro.
- Onde?! Perguntou o entregador. Agora sua fúria estava explícita em sua voz. Que cara louco! Porque não abre a maldita porta de uma vez?! Mais uma vez interrompendo os pensamentos do entregador, o homem diz: 
- Embaixo da porta. Passe o troco por debaixo também.
- E a pizza?! Perguntou o entregador em tom de desdém. Será que ele acha que eu posso fazer coisas atravessarem portas?! Que idiota.
- Deixe-a em frente a porta.
O entregador pega a nota de 50 reais do chão, e passando o troco por debaixo da porta, asperamente se despede: 
- Aqui estão seus R$ 17, obrigado pela preferência, tenha uma boa noite.
O homem abre a porta, pega sua pizza do chão frio e espera o entregador chegar ao elevador, observando-o da porta, com a pizza nas mãos. 
No elevador, o entregador pensa no homem estranho que acabara de atender. Estava faminto. Pensou em pegar um pedaço da pizza antes de subir para entregá-la - um hábito frequente, já que estava quase implorando para ser demitido a meses -, mas ao abri-la viu que era tão perfeita, que não teve coragem de deixar um pedaço faltando. Afinal, era o carro chefe da casa, a pizza gigante de 18 pedaços, cada pedaço de um sabor diferente, um completando o outro, tudo em uma só pizza. Volta seu pensamento ao homem, perguntando a si mesmo se aquele louco conseguirá comer ao menos 1/3 da pizza. 
O elevador chega ao térreo, e o entregador caminha até onde estacionou sua moto. Mais 13 entregas! E ainda eram 21h! A noite seria longa.
Lá em cima, no corredor do sexto andar, o homem fecha a porta e sai, com a pizza nas mãos. A fome era insuportável. Desceu para o térreo, e saiu andando sem rumo, embora conhecesse muito bem sua cidade. Devorou primeiro o ódio. Em seguida o rancor.
Engoliu a dor. Depois veio a violência. A corrupção, e o abandono. Fez uma pausa e logo encarou a fatia de medo. Após a angústia veio a tristeza, e a saudade, - ah a saudade, ele nem sabia que gosto tinha - depois disso a amargura teve um gosto doce, leve. Matou a insegurança. Fez outra pausa para mergulhar na realidade, consumir a felicidade, devorou a diversão, tentou a alegria, e seu estomago não doeu. Amor, mastigou lentamente, sentindo o sabor, a textura, tentando descobrir como era feito.
Nesse momento, havia chegado em uma praça. Olhou para o céu púrpura e sorriu. Vai chover, pensou. Em seguida se levantou e foi trilhando o caminho de volta. Cada passo uma jornada. Ouviu um trovão. Começou a correr, com medo da chuva estragar a última fatia. Depois do que pareceu um longo período - mas na verdade foram 2 minutos -, chegou. Olhou para a porta, encarou o número do apartamento, os números 3 e 5 ali, juntos. Abriu a porta e finalmente entrou, levando o último pedaço de paz consigo.

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