sexta-feira, 3 de junho de 2016

Minhas cinco Marias



            
           Era brincadeira de menina, meu pai dizia. Eu não me importava, ele sim. Por isso eu não podia brincar. Então eu ficava só olhando. As pedrinhas pulando, subindo e descendo; as fases, eu achava a quinta muito difícil. Se eu tivesse nascido nos últimos anos provavelmente isso não teria acontecido, com essas questões de gênero e tal. Mas se eu fosse dessa última década dificilmente conheceria essa brincadeira.
            Dizem que ela – a brincadeira – surgiu dos costumes da Grécia Antiga de jogarem ossos de animais para o alto e observar como eles caiam a fim de ler a sorte. A minha sorte era que meu pai trabalhava o dia todo. E eu jogava escondido. Eu poderia jogar o dia todo se não tivesse um irmão mais novo dedo-duro. Contudo, meu irmão não perdia a Vila Sésamo, e, embora eu amasse o Garibaldo, corria para a rua para poder jogar no mínimo uma partida.
            Eu tinha medo de mesmo assim, meu pai descobrir e por causa disso eu jogava com medo. Jogava muito mal, muito mal mesmo. As pedras caíam todas na minha cabeça. Meu sonho era fazer a tal ponte, mas eu nunca chegava a isso. Na verdade, não chegava nem perto.
            O que era a ponte? Era a quinta e última fase. Aquela que eu falei lá em cima lembra? Bom, vou explicar: o jogo básico consiste em cinco fases. Cinco fases e cinco pedrinhas. Deve ser por isso que alguns chamam essa brincadeira de Cinco Marias. Na minha época era só o Jogo das Pedrinhas mesmo.
            Agora, explico as fases: a primeira é a mais simples. Consiste em pegar as cinco pedrinhas em uma mão, jogá-las no chão e em seguida pegar uma, jogar para cima e enquanto esta está no ar pegar outra no chão a tempo de conseguir pegar a pedra que estava no ar, ficando com as duas pedras na mão. O jogador deve continuar jogando até pegar todas as pedrinhas do chão. Um detalhe muito importante e que vale para todas as fases é que, assim como no jogo das varetas – Pega Vareta, sabe? – o jogador tem de pegar uma pedra sem mexer em outra.
            E assim segue o jogo, com desafios a cada nova fase. Na segunda, ao invés de pegar uma, o jogador deve pegar duas pedrinhas de uma vez enquanto joga uma no ar, e novamente, conseguir pegar a que esta no ar a tempo. Em todas as fases, caso as pedras caiam no chão ou o jogador mexa em outra pedra ao tentar pegar uma ou duas do chão ele queima e passa a vez para outro jogador. Este jogador retoma o jogo na fase em que queimou quando chegar sua vez novamente.
  Na terceira fase o jogador deve pegar uma pedra do chão com uma no ar e em seguida pegar as três que restaram. Na quarta fase o jogador deve tentar pegar quatro pedras do chão com uma pedra no ar, sempre pegando a que está no ar em seguida.
            Caso o jogador não seja péssimo como eu, ele chegará a quinta e última fase. A ponte, como era chamada entre os jogadores. A ponte consiste em cruzar as mãos em “x”, segurando todas as pedrinhas em uma das mãos – isso varia se a pessoa for destra ou canhota – em seguida o jogador deve jogar as pedrinhas no sentido da mão que as segura e fazer com a outra mão o formato da letra “c” apoiando os dedos no chão formando assim uma “ponte”. Na sequência, o jogador deve jogar uma pedra no ar, passar uma pedra que está no chão pela “ponte” a tempo de pegar a pedra que está no ar antes que ela caia no chão. O jogador que conseguir passar todas as pedras do chão pela ponte antes vence.
            Em uma das escapadas do meu irmão conheci minha esposa, Marina. Nós nos conhecíamos da escola, não éramos amigos nem nada, mas estudávamos juntos. Eu só não sabia que ela jogava pedrinhas tão bem, e olha que tínhamos quase a mesma idade. Sim, porque geralmente as crianças mais velhas, entre dez e doze anos jogavam melhor que todo mundo, quase faziam a gente chorar.
            Nunca tinha visto Marina brincar com as crianças da minha rua porque ela morava duas ruas atrás da minha. Mas nesse dia ela estava lá. Não queimava uma. Eu fiquei hipnotizado. Queria aprender, mas nunca dava tempo. Quando acabava o Garibaldo eu tinha que correr para dentro de casa antes do meu irmão correr para a rua.
            Um dia, na escola, Marina perguntou porque eu sempre saía correndo no meio do jogo. Contei minha história e ela se ofereceu para me ensinar a jogar na hora do recreio. A gente pedia para a professora para jogar no chão da sala dizendo que o chão do pátio machucava as mãos e ela deixava. Não fiquei craque, mas aprendi um pouquinho.
            Aprendi a amar a Marina também e, anos – leia-se: muitos anos – depois, casamos. Em homenagem ao jogo que nos uniu tivemos nossas cinco Marias. Primeiro veio a Maria Helena, depois Maria Luiza, e por fim Maria Fernanda. Bom, quero dizer, achávamos que esse seria o fim, o destino quis nos unir por meio de cinco Marias e mesmo sem planejar recebemos Maria Julia e Maria Alice, gêmeas.
       Essa brincadeira virou tradição aqui em casa, e, agora que sou vovô estou só esperando o Pedro crescer mais um pouquinho para ensiná-lo a jogar Pedrinhas, ou Cinco Marias. Antes não podia, agora posso. Essa é alguma das vantagens do século XXI.

Imagem: Google Imagens. Disponível em: http://casa.hsw.uol.com.br/cinco-marias.htm  Acesso em: 03 de jun. de 2016.

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